Lembrei pra não mais lembrar



E então eu me permiti. Sabia que seria a ultima, o adeus, então me permiti e até te priorizei . Me fiz lembrar de você, cada pedaço, tudo que minha mente me proporcionava. Todas suas qualidade e todos seus defeitos, tudo que eu sentia falta. Então eu tinha você na minha mente, inteiro, completo. Lembrei dos seus olhos, e o mais importante neles, o brilho que me recordo. Lembrei do seu nariz grande e de como as vezes ele abre, de uma forma estranha, quando você falava de uma forma estranha, tentando que fosse meiga, mas acho que você nunca percebeu que essa coisa de falar como criança não combina com minha personalidade, aquela que você dizia tão forte e diferente. Quantas vezes te achei idiota por isso. O seu sorriso e seu único canino encavalado. O som da sua voz e o seu jeito de falar, sempre tão certo, tão inteligente, tão superior e de ter ouvido pela primeira e unica vez a palavra "cocegar" e achar aquilo tão diferente de mim, mas ao mesmo tempo ouvir o "cazzo" que te tornava tão comum, tão familiar ; Lembro me de só de ouvir você falar, pensar nunca ser boa o suficiente pra você. Porque sempre fomos opostos, desde a minha época de cabelo rosa e você com sua jaqueta jeans, até hoje .. eu com meu coturno desamarrado e você com sua pasta de executivo. Lembrei de seus ombros, sua barriga e suas costas. Do seus braços e como eu sempre arruma os pelos dele em uma só direção. E suas costas, o que me lembra aquele jeito estranho que você tinha de coça-las, passando seu braço por sua cabeça e se tornando uma das cenas mais anormais que eu presenciei, e curioso eu rir ao lembrar disso. Suas pernas grossas pra alguém tão magrelo e seus pés normais. Então resolvi vesti-lo . Fui até seu quarto e abri seu guarda roupa antigo, de madeira, pra escolher sua roupa, como você me pedia de vez em quando e senti novamente aquela decepção ao lembrar daquela pilha , do lado direito, com todas suas camisetas, básicas com cores que deveriam ser proibidas em camisetas básicas, porque tornam as básicas mais sem graça ainda. Olhei o azul bebe, o bege .. cores que parecem que faltam cores. Sempre escolia a verde escura ou a preta, que pra mim eram as únicas que deveriam estar lá. E lembrei de suas calças jeans e como eram básicas ... era fácil, sempre preferi a mais justa. Lembrei de seus calçados, e vi o all star que te convenci a comprar, e te ajudei a escolher, escondida no banheiro do meu trabalho, reclamando da sua falta de atenção no telefone enquanto conversava com a vendedora. Provavelmente a coisa mais descolada no seu quarto até hoje. Quase gargalhei quando lembrei do seu sapato social e como achei esquisito você estar com ele no nosso primeiro encontro. Lembrei do dia que achei seu antigo coturno debaixo de sua cama e como fiquei triste por sentir saudade de quem era quando te conheci, e tentava imaginar como tinha passado do coturno para o sapatenis, e depois me conformei porque assim que a vida te fez, mas como sentia saudade do seu cortuno e camiseta do ramones. Quis ir mais fundo, então puxei de minha memoria todos seus jeitos e trejeitos e "quadrijeitos", por ser tão cheio de gestos e tudo que fazia que me lembrava. O primeiro que me vem é seu jeito teatral de interpretar cada historia sua, o que me fazia pensar quão maravilhosa tu tornava sua vida. Fascinando me com suas historias. Apesar de eu ser uma menina facilmente "facinavel", o que me faz lembrar que sempre fui tão mulher e que me sentia tão ridícula ao sempre, incontrolavelmente, me tornar menina de novo ao seu lado, com toda insegurança e o medo de falar e parecer uma troxa, e ser mais menina ainda quando fazia minha bochecha corar. Como você cuidava de mim, e sempre lembro disso quando fico doente e faço sua receita caseira de chá de limão. De só deixarmos de nós falar enquanto dormíamos e de sempre me sentir tão cercada de você. E como sentia doida e descolada quando saiamos pela augusta, bebendo e fumando irresponsavelmente, e o quão boas historias são pra contar pros meus filhos todas aquelas que você estava do meu lado, pois um cineminha virava um show de rap e uma baladinha com musiquinhas bestas viraram uma cochilada secreta no seu trabalho e todas nossas noites inesquecíveis na cama do seu melhor amigo. Eu vivi de verdade ao seu lado. Nunca fui tão livre, quanto como fui quando presa a você. Eu sempre distraída e você cantarolando suas musicas, e o quão sexy ficava ao cantarolar "ne me quitte pas", que por sinal foi a ultima musica que ouvi de ti. Sempre tão carinhoso, sempre tão estupido . Certo, sempre certo. Acho que nunca te disse tantas coisas.. eu me sentia triste porque sempre senti que tua família não gostava de mim, e o fato de que família é muito importante pra mim, deixava isso pior. Triste por saber que nunca dormiria na sua cama. Mais triste ainda por achar que você nunca me entendia, talvez por eu não me explicar direito. Mas o que me fazia chorar a noite era nunca ter te passado confiança suficiente e como isso acabou com a gente. Eu me sinto vazia de ti agora .. Peguei toda imagem que fiz e borrei, amassei, distorci. Parece tão distante de mim ... Melhor assim. Me perdi em você por uma tarde, assim pude me encontrar sem você. E seguir assim .. o incrível é como me sinto melhor agora. Não pelo fato de estar sem você, mas por finalmente me conformar assim. Eu quase deixei passar, mas o que eu sempre quis dizer também, é que eu sempre achei que o Vitor estava certo. Eu sempre achei que faltou você lutar um pouco por mim, não pra encher meu ego, mas pra me mostrar, que apesar da sua aparência tão forte, tão independente e tão desligado pra essas coisas, você precisava de mim, assim como eu sempre precisei de você, desde aquele dia que te vi com tinta azul na cara.............

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